DIA DE SANTIFICAÇÃO DO CLERO
Homilia de Dom Pedro Carlos Cipollini
Caríssimos irmãos sacerdotes e diáconos aqui presentes. Saúdo a todos com muito carinho e emoção. É a primeira vez após três meses que volto à igreja Catedral para celebrar. Penso que muitos de vocês também! Saúdo os que estão nos seguindo on line. Sejam todos bem vindos. Nossa Catedral se amplia para acolher na fé a todos e cada um que desejaram rezar conosco. Saúdo também o bispo emérito Dom Nelson que neste mês dia 28 completará 56 anos de ordenação sacerdotal.
Estava planejado algo diferente para hoje, “Dia de oração pela santificação do Clero”, mas Deus dispôs que seja assim como estamos realizando. O importante é que estamos congregados pelo Sagrado Coração de Jesus, Sumo Sacerdote de cujo sacerdócio fomos feitos participantes.
Queremos encontrar-nos com este Coração Santo. Como Ele nos encontrará? Viemos expor diante dele como Presbitério, como Clero que somos, nossas angústias e incertezas. E perguntar numa oração que imita a oração de Jó: Por que tudo isto Senhor? Como Jesus na cruz perguntou: Pai, Por que me abandonastes? Deus responde alimentando-nos com sua Palavra, com o corpo e o sangue de seu Filho imolado por nós. Este momento que estamos vivendo é singular. Cada um de vós certamente se encontrou com suas fragilidades. Seus medos e angústias. Devido ao isolamento, corre-se o risco de pensar que vossos problemas são únicos e intransponíveis. Corre-se também o risco de cair na mediocridade e no desânimo. Estes são perigos reais. Toda crise de fato, é um perigo, mas também é uma oportunidade.
Certamente todos estamos tendo oportunidade de conversar mais conosco mesmo. Isto é bom! Talvez tiveram oportunidade de perceber em vós uma certa adolescência inacabada, exigindo maior maturidade e responsabilidade (cf. Papa Francisco ao Clero de Roma em 27/02/2020).
Talvez tenha sido surpreendente para constatar a dificuldade de passar da expectativa ou espera (que é segurança, recompensa, promoção), para a esperança. O que é a esperança em tempo de tanto desespero e desânimo? É descentrar-se de si mesmo, deixar de se defender e lançar-se nas mãos de Deus o qual prometeu cuidar de nós. Esta é a “páscoa” que você é chamado a fazer na sua vida: passar da espera à esperança. É assim que tudo irá bem e sua vida será bela, mesmo quando as coisas não correrem à sua maneira.
Tranquilizemo-nos uns aos outros quanto à vitória final do amor. Cuidemos de nós e uns dos outros, preparando-nos para o futuro, quando ele chegar. O Sagrado Coração de Jesus nos ensina a ser “grandes perdoadores, a ter coração generoso no perdão” (Papa Francisco na 5ª feira santa de 2020). Não só perdoar os que nos ofenderam, mas perdoar a nós mesmos por não sermos tão bons quanto gostaríamos. Isto nos dará muita paz e equilíbrio neste tempo desafiador.
As coisas serão melhores, não só porque a pandemia vai passar, ou porque mudaremos o que não vai de acordo conosco, mas porque estamos sendo confortados pela Palavra de Deus (cf. Jr 15,16). Somos chamados pelo Coração de Jesus nosso mestre, a não confundir segurança com “aliança”. A segurança é a busca feita pelo egoísmo, a “aliança” é a busca do meu amor em direção ao amor de Deus. Esta aliança que fizemos com Jesus no dia da ordenação sacerdotal que nos dá segurança.
Tivemos dificuldade para reconhecer o impacto da pandemia e reagir. A pandemia (declarada em 11 de março/2020), é o primeiro evento verdadeiramente global. Deixará uma marca profunda. Vai afetar nossa forma de pensar o poder, a economia, a sociedade e a vida. É a própria alma da sociedade, ou seja, a relação inter-humana, que é posta em causa. O mundo que sairá deste acontecimento será diferente. Melhor ou pior? Quem sabe? Dependerá muito da conversão de cada um.
As imagens das filas, de pessoas com máscaras, de doentes em hospitais, e caixões de mortos indo para o sepultamento, ficarão na memória de quem sobreviver, por muito tempo. O contágio da doença aumentou o fosso socioeconômico e aponta para o distanciamento entre países pobres e ricos, após a pandemia. A pobreza global aumentará este ano pela primeira vez em duas décadas, segundo dados de instituições internacionais. Vai atingir perto de 8% da população e significará mais fome. Esta sim, outra pandemia por vir, seguindo a clássica trilogia apocalíptica: peste, fome e guerra!
Mas nenhuma imagem nos toca mais do que aquela dos muitos sacerdotes que foram vítimas da pandemia no exercício do ministério. E aqui entre nós, aqueles que contraíram a doença mas superaram-na. Junto com toda nossa Igreja Diocesana bendizemos a Deus pelo esforço e dedicação dos senhores, no atendimento ao povo de nossas paróquias em especial no conforto aos doentes e às famílias enlutadas. E a ajuda na manutenção da própria estrutura paroquial abalada.
Neste contexto dramático, é preciso optar pela vida, para se evitar o pior e sermos coerente com nossa fé. Foi por isso que, apesar da dificuldade de aceitar o auto isolamento do clero, e o cancelamento das celebrações presenciais nas igrejas, vimos nesta medida, a retidão e o bom senso. Caso contrário nos tornaríamos nós próprios instrumentos de contágio.
A solidariedade é nossa resposta de fé à tristeza e ao drama que se abateu sobre nossas comunidades. “Estamos todos no mesmo barco e precisamos remar juntos” (Papa Francisco). Os gestos solidários adquirem hoje toda sua beleza e força diante da crise. Gestos feitos de renúncias, generosidade, sacrifício e amor. Estas são as forças inspiradoras da graça de Deus que pode fazer tudo renascer: “Eis que faço novas todas as coisas (Ap. 21,5). Deus age, assim como fez após o dilúvio, após o exôdo, após a morte de Jesus na Cruz, após Pentecostes. Por isso a Igreja nos convida a repetir sempre: “Maranatha! Vem Senhor Jesus! (Ap 22,20).
É neste fazer nova todas as coisas, que a nossa Igreja tem um papel importante: é uma missão “espiritual”. É dar alma aos acontecimentos em favor da justiça e da paz, construções contínuas, a serem sempre recomeçadas e nunca terminadas na história direcionada para o Reinado de Deus. Profecia, solidariedade, diante da fragilidade nossa e dos outros, e Criatividade na missão! É isto que Deus pede de nós.
Em qualquer tempo somos testemunhas da salvação. E nós somos testemunhas de Jesus Cristo, Filho de Deus que morreu e ressuscitou: está vivo! Com Ele o domínio da morte acabou. Jesus disse: “Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17). Precisamos discernir a ação de Deus mesmo em meio a esta pandemia e perceber o que Deus pede de nós para o futuro. Ele nos associa a seu trabalho.
Ouso enumerar aqui algumas atitudes válidas para todos os cristãos, mas em especial para nós em nossa missão de pastores que olham para o futuro: Educar as mentes, mas antes, os corações. Não apostar no mito de um progresso ilimitado nem cair na armadilha do consumismo. Saber administrar os recursos com cuidado e parcimônia. A família humana deve ser solidária em todos os âmbitos da existência. Promover uma ecologia integral que preserve a criação. O ser humano deve reconhecer seus limites e fragilidades: não somos donos de nossas vidas. A par dos direitos e liberdade, existem os deveres e responsabilidades sociais uns para com os outros. Não apostar em uma sociedade que prescinde de Deus. E sobretudo amar e viver a unidade na diversidade.
Que Deus aumente nossa fé e nos dê coragem. Estamos em suas mãos. Para Ele tudo é impossível.
Recebam um abraço carinhoso de vosso bispo que reza continuamente por vós. Rezem também por mim! Não deixem a tristeza tomar conta do vosso coração. Tenham a certeza que foram escolhidos e são amados por um coração divino: o Coração de Jesus. AMÉM
Isto nos dará muita paz e equilíbrio neste tempo desafiador
Santo André, 19 junho de 2020 – Catedral Diocesana
Solenidade Sagrado Coração de Jesus