Na crise que atravessamos, a pobreza não diminui. Como os sociólogos analisam, há uma degradação da situação mundial, sinalizada pelo caos nas grandes cidades, aumento da desigualdade e violência. A euforia da globalização da economia cedeu lugar à incerteza de seus resultados. Os ganhos não foram distribuídos e a riqueza se concentra nas mãos de poucos. Estão aí as “favelas” para recordar a realidade da miséria convivendo com o luxo e a tecnologia.
É patente o contraste entre a riqueza existente para poucos e a pobreza ou miséria da maioria. Vem a pergunta: o que faz com que os pobres não desistam e continuem lutando e esperando? Sem dúvida, a força dos pobres e excluídos vem do próprio Deus. Enquanto a intelectualidade e o mundo econômico de certa forma já sepultaram Deus através do ateísmo prático, para os pobres a existência de Deus se evidencia como última esperança. O filósofo francês Pascal escreveu: “crer não é pensar sobre Deus, mas sentir Deus”. Os pobres sentem Deus, o qual sustenta suas vidas em meio a tantas injustiças. A sobrevivência dos pobres em condições de vida precárias é um mistério que em última análise escapa às análises científicas.
As instituições antigas, como a Igreja, sentem dificuldades em se fazer ouvir, no sentido de propor uma ética da solidariedade que possa impregnar toda a sociedade. Mesmo em meio às dificuldades, é dever da Igreja retomar o profetismo de Jesus de Nazaré. A Igreja não tem o direito de se omitir, só porque é difícil ser ouvida, ou porque todos dizem não poder fazer nada. Como João Batista ela tem muitas vezes que clamar no deserto. Se ela não clamar, as pedras clamarão, como diz as Escrituras.
A Doutrina Social da Igreja não é uma pregação facultativa, mas faz parte do conteúdo da fé: “A religião pura diante de Deus é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição”(Tg 1,27). Nossa Diocese de Santo André propôs e tem como uma de suas metas no 8º Plano de Pastoral, criar o Vicariato Pastoral Para a Caridade Social. O objetivo é articular a presença da Igreja como um todo, nas situações nas quais se exige de nós uma atitude concreta.
A encarnação do filho de Deus, dá testemunho da solidariedade fundamental de Deus com os pobres. Deus envia seu filho e ele nasce pobre no meio dos pobres. Deus entrou na História humana revestido de pobreza. Em Jesus Cristo Deus se fez carente. Jesus inicia um duplo movimento: daqueles que tem ele exige que sejam solidários e dividam com os que não tem, por uma questão de justiça. Aos que não tem, aos injustiçados, concede a força dos pacíficos, para exigir justiça, combatendo o mal com o bem. Já não sofrem no desespero, mas na esperança da vitória garantida, pois, Deus está do lado dos excluídos.
O Evangelho de Mateus no capítulo 25 mostra-nos um Jesus-juiz bem diferente do pobrezinho que nasceu em Belém. Um juiz que julga após ter se esgotado o tempo da misericórdia. O critério último para o julgamento é o relacionamento com o pobre. O juiz dirá que estava oculto nos pobres da história.
A exclusão social cresce, mas também cresce a consciência de que o “egotismo” não pode dominar o relacionamento humano, nem mesmo o econômico. Ao abrir mão de vantagens pessoais, em beneficio da coletividade, todos acabam ganhando no conjunto, não somente o indivíduo. Não é fácil a evolução de uma consciência ética, que contemple o comunitário sobreposto ao individual. Porém, a Igreja tem que insistir nesta pregação, ajuntando a ela o bom exemplo. E é aí que entra o Vicariato da Caridade.
A pobreza, é um fenômeno pluridimensional: ser pobre não é apenas ter fome, mas ter também dificuldades para morar, para cuidar da saúde e educar os filhos. Não nos esqueçamos que existe um vínculo entre a fé cristã e os pobres, por isso a Igreja deve colocar-se “em movimento de saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos pobres” (EG 97).
*Artigo de Dom Pedro Carlos Cipollini para o jornal A Boa Notícia