A gratidão nos torna missionários – Homilia feita por Dom Pedro Carlos Cipollini – 27º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 09/10/2016
Meus irmãos e minhas irmãs, em todos esses dias de missão na Região Pastoral Utinga nós caminhamos com a Palavra de Deus em nossos lábios, em nosso coração, em nossa intenção. Porque é a Palavra de Deus que nos impulsiona a sermos uma Igreja profética, que anuncia o Reino de Deus e não fica trancada no cenáculo; mas, na força do Espírito, vai ao encontro, sai para anunciar e leva a mensagem.
Esses foram dias em que nós fizemos sinalizar aquilo que Deus nos pede, que Jesus ensinou aos apóstolos e que o Concílio Vaticano II também resgatou: a Igreja é missionária por sua própria natureza. Nosso desejo é sermos uma Igreja de comunhão e missão. Comunhão porque é preciso estar unidos, é preciso celebrar a liturgia, celebrar os mistérios da nossa fé e viver a comunhão entre nós – que todos sejam um com o Pai. Mas, ao mesmo tempo, essa comunhão é em vista da missão. “Eu vim para que todos tenham vida” [ref. Jo 10, 10], e a vida deve ser anunciada, deve ser defendida; a vida deve ser comunicada e transmitida. Cristo nos deu a vida, e a Igreja, na continuidade da missão de Jesus, leva a vida.
A Palavra de Deus, hoje, ilustra para nós este “levar a vida”, este “dar a vida” e este “ser resgatado pela vida”. A Primeira Leitura (2Rs 5, 14-17) nos apresenta uma figura daquilo que acontece no Evangelho. Naamã, o ministro do rei mais poderoso da época, está leproso – e a lepra não tinha cura, a pessoa ia como que “se decompondo” em vida; era uma coisa triste de ver e de viver. Para agravar ainda mais a situação, a lepra, na mentalidade da época, era vista como um castigo divino: o leproso tinha que viver longe do convívio das pessoas, isolado, sozinho, para morrer. E este homem vai até Israel, porque sabe que lá tem um profeta do Deus Altíssimo, e pede a sua cura. O profeta diz a ele: “vá se banhar no rio”. Naamã, a princípio, não queria, achou ruim, mas seu escravo o convenceu: “não custa nada, faça”. Ele fez e, então, sarou. Diz o texto que sua pele ficou como a de uma criança – isso indica que ele não sarou só no corpo, mas também ficou purificado por dentro, adquirindo a inocência de uma criança. E ele vai, agradecido, fazer uma oferta ao profeta – que não aceita. Então, ele leva a terra de Israel para casa e diz: “Oferecerei a Deus o meu sacrifício de gratidão todos os dias, sobre esta terra onde encontrei o Deus verdadeiro”. Ele sarou não só no corpo, mas também descobriu a bondade de Deus, esse Deus que se manifestou a Abraão e se manifestou àquele povo do qual o profeta fazia parte.
E no Evangelho (Lc 17, 11-19) aparece Jesus que cura dez leprosos. Jesus diz a eles: “vão se apresentar ao sacerdote” – que conferia se a cura era verdadeira ou não. Foram; um só voltou agradecido, reconhecendo em Jesus o Filho de Deus, o Messias, o Salvador. Jesus diz, diante da ingratidão dos outros: “Não foram todos curados? Somente este estrangeiro, samaritano…” – que era inimigo dos judeus, malvisto por eles como alguém que estava condenado à perdição – “Somente ele voltou para agradecer?”. Ele voltou para agradecer porque foi curado não só fisicamente, mas também no seu interior, na sua alma, e encontrou Jesus como Salvador – Jesus que veio para comunicar uma vida plena, não só uma vida física. Infelizmente, quantas pessoas vão atrás de Jesus interessadas em favores, milagres, curas… Mas não querem nada mais do que isso? Como esses nove leprosos: curados, esqueceram-se de agradecer e talvez tenham esquecido até do próprio Jesus. Mas só este um foi curado totalmente, porque diante da graça recebida ele descobriu a gratidão, e o cristianismo vive da gratidão, da ação de graças, cujo Sacrifício Eucarístico, a Festa da Eucaristia é o sinal maior. A ação de graças, a Eucaristia, bendizer a Deus; porque isso não só cura o homem no seu físico, mas cura por dentro, capacitando-o para conviver com os outros.
De fato, o leproso era reintegrado à sociedade depois da cura. Ele passava a viver com os outros e saía da solidão; poderia praticar a Lei no seu relacionamento com os outros, não só com Deus, e nisto encontrar, por meio da caridade, a Salvação. Este Evangelho nos convida a nos aproximarmos de Jesus e pedirmos a Ele não só coisas materiais, físicas ou realizações de desejos que temos, mas que façamos a vontade de Deus; que, curados interiormente, possamos descobrir a gratidão como um modo de viver a fé.
Tudo é graça de Deus! E diante dessa graça, desse Deus que é fiel – como diz São Paulo na Segunda Leitura (2Tm 2, 8-13) –, nós devemos ser agradecidos. E a nossa gratidão deve ser revertida na vivência da própria fé. Quem descobre algo e é agradecido vai anunciar, torna-se missionário. Quem é agradecido a este Deus fiel e que não falha nunca conosco vai encontrar este Deus nos irmãos. Porque Deus não precisa de nada da gente, mas ele quer ser amado e servido nos irmãos, nos muitos e muitos “leprosos” caídos por aí neste mundo, esperando alguém que os toque para curá-los e revelar o poder de Deus que pode dar a vida plena, não só para o corpo, que acaba com a nossa morte; mas a vida plena que continua para sempre junto de Deus. Desse Deus que Paulo descobriu e foi também curado da “lepra” da sua revolta, do seu pecado, da sua amargura e decepção. Jesus o encontrou, o curou, e Paulo foi agradecido pelo resto da sua vida, tornando-se um missionário cheio de gratidão a este Deus que o fortificou na sua fraqueza e que lhe deu uma vida plena. Mas o agradecimento de Paulo não é acomodado, é um agradecimento ativo, que transforma essa gratidão em louvor a Deus, por meio da missão e das obras de caridade, tanto espirituais quanto corporais – que é também a nossa missão.
Que neste Ano da Misericórdia esse texto do Evangelho nos mova também a sermos uma Igreja misericordiosa, que não se preocupa só em curar o corpo, mas, mais ainda, em tocar, com a graça de Deus, a angustia do homem de hoje, cheio de depressão, de desencanto, de desespero, de desorientação.
Todos nós, neste Encerramento da Visita Pastoral Missionária, agradeçamos a Deus por tanta generosidade. Eu agradeço e louvo a Deus, em primeiro lugar, pelos padres que colaboraram, planejaram, trabalharam – orientados pelo Padre Tiago, que é o coordenador desta região pastoral –; e por todos os freis e todos que estão à frente das comunidades. Quanta generosidade, boa-vontade, empenho! Louvo a Deus por isso! Agradeço, também, aos leigos e leigas que se dispuseram a ser missionários, entrar nas casas, ir consolando e escutando. Quantas pessoas esperavam – e esperam – uma palavra para perceber esse Deus fiel por meio da nossa presença. Vamos continuar, não vamos deixar apagar a chama – porque, muitas vezes, somos como brasas incandescentes cobertas de cinzas e precisamos que alguém sopre essas cinzas para que apareçam as brasas vivas do amor de Deus que está no coração de cada um, tanto dos jovens, das crianças, dos adultos, dos enfermos.
Fico agradecido a Deus por ver que nossa Igreja é generosa, uma Igreja aberta, que espera e que chora quando encontra alguém para anunciar a Boa Nova do Evangelho, do amor de Deus, esse amor que pode tocar, curar e conduzir a uma vida plena no meio de uma cidade, de uma situação urbana cheia de conflitos e urgências. Não podemos deixar de lembrar que Deus habita nas cidades, e o rosto desse Deus é Jesus misericordioso, que toca e que cura.